Conversa com Oscar Araripe

« Talvez, por incrível que pareça,
o Perfume tenha criado a arte,
antes mesmo que a Arte tivesse criado a vida »

 Oscar Araripe

 

 

 
 

 

Filomena Iooss

Procurava uma tela que eu pudesse associar ao « Perfume », tema do meu próximo Chocolate litérário da Primavera. E descobri um dos seus quadros. Instante maravilhoso, sem concessão alguma. Tudo nele me tocou. Comecei então a querer saber mais… quer sobre essa pintura… quer sobre o artista que lhe deu substância…

Cheguei até si, Oscar, e o que me foi dado « ver » fez-me sorrir…

É que sempre tive confiança numa forma de instantaneidade profunda e misteriosa, que nos aproxima (ou nos afasta) inexplicavelmente de algo ou de alguém… por caminhos bem diferentes dos racionais.

Na sua tela, havia a cor, o perfume, a doçura da liberdade… e uma parte essencial de alguém cujo percurso de vida me veio a fascinar.

Obrigada por ter permitido este encontro… e por me dar a oportunidade de partilhar este privilégio neste espaço cultural, cujo objetivo é precisamente fazer florir no mundo de hoje mais algumas flores… com perfume…

Oscar Araripe

Obrigado a você, Filomena, pessoa que tem o amor no nome, na arte e na vida. O Brasil, se tivesse um governo sábio e uma diplomacia inteligente já a teria nomeado Embaixadora da Cultura brasileira na Côte D’Azur. Hélas !

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F. I. :

O Oscar nasceu no Rio de Janeiro, estudou no Brasil e nos Estados Unidos, percorreu a Europa e acabou por escolher como local para viver a cidadezinha de Tiradentes, em Minas Gerais.

 

  (Tiradentes, a animosa cidade)

 

Estudou Direito, foi jornalista, ensaista, encenador e crítico de teatro, depois escritor e, enfim, pintor. É considerado como um dos grandes pintores brasileiros contemporâneos. Realizou múltiplas exposições pelo mundo, a mais recente sendo em Paris, na galerie Teodora. Ganhou, entre outros prémios, a Medalha de Ouro nos Olympic Fine Arts 2012, em Londres (com o seu quadro « As Flores abraçam o mundo »).

E muito mais…

Como conseguiu « existir », Oscar, com um percurso tão héterogéneo, numa época em que se defende antes de tudo a uniformidade… e as regras zelosa e insipidamente aplicadas ? Numa época em que as diferenças e a originalidade, necessárias ao progresso, se pagam caras ?

 

O. A. :

Um artista faz parte mas não pertence a época nenhuma. Transcende ao contemporâneo e vive nas núvens, com o pé nas núvens. Pessoalidade, Independência e Liberdade – eis as palavras que me nortearam e norteiam ainda. Lutei por isso a vida toda e continuo lutando. Ganhei minha liberdade conquistando a independência. Não a independência financeira, pois esta na maioria dos casos, aprisiona ainda mais, mas lutando contra os individualismos e afirmando minha pessoalidade. Creio que até criei esta palavra : Pessoalidade, em oposição à personalidade, tal meu desejo profundo de Liberdade. Amante das virtudes, namorado da Beleza, casado com a Verdade (sim, existe a Verdade) lutei e venci a Ditadura cívico-religiosa e militar. Hoje sou pintor para que tudo vire pintura. Como (hoje) só pinto flores, aposto na alegria para mudar o mundo. Subversão, hoje, é pintar um novo jarro de flores.

 

 

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F. I. :

Meu amigo, vou-lhe propor um jogo semântico :

Como ligaria entre elas as palavras seguintes :

Teatro / Carnaval / Pintura / Censura / Liberdade ?

O. A. :

Teatro é Liberdade. Pintura é Carnaval. Censura é Terror. É a negação do Teatro, do Carnaval, da Pintura e da Liberdade.

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F. I. :

Há pouco tempo, vi uma peça de teatro que deu origem a um dos meus útimos textos neste site (La femme silencieuse). Uma das questões que, a meu ver, ela suscita é precisamente a da ligação entre a Arte e a política, a sociedade.

 

 (Oscar Araripe com Chico Buarque)

 

 

O Oscar que foi militante, que se rebelou, que utilizou a escrita e o teatro como formas de expressão revolucionárias, como explica ter escolhido pintar, no auge da sua carreira, vasos de flores ? Uma forma de se afastar dos reboliços e do « barulho » ? De mostrar que, afinal, a natureza humana é sempre a mesma… e que mais vale proteger-se num espaço interior que lutar contra muros indestrutíveis ?

Ou então – e é talvez assim que eu o sinto ̵ uma maneira de « dizer » que, no silêncio de suas flores, e da forma aparentemente delimitada de seus vasos, outro tipo de combate se põe em marcha… ? Aqueles que observam melhor suas telas florais, vêem bem que as pétalas nada têm de clássico… que elas podem ser coloridas ou pretas… e que se liberam como uma essência, com a leveza de uma borboleta…

 

 

 

Lá onde os apressados só distinguem banais vasos de flores, reproduzindo melhor ou pior outros vasos de flores, pintados desde o limiar dos tempos, os mais atentos verão cores em movimento, num misto de alegria e de doçura que só a consciência de liberdade (para lá dos « moldes », que então deixam de o ser) pode fazer desabrochar…

Estarei enganada ?

 

O. A. :

Não. Estás certíssima. Disseste tudo que eu diria e muito bem. Acrescento uma de minhas frases preferidas : Revolução em Pintura é pintar um novo jarro de flores. Ou seja, inventar maluquices, gratuidades, é fácil. O difícil é criar um novo jarro de flores, já que este é o tema mais clássico, mais sancionado. Depois tem esse grande sentido de «  receber com flores », não só os amigos mas também nós mesmos, quando cansados do deserto, como andantes caminheiros, chegamos em casa. Ademais permite uma liberdade de cores que nenhum outro tema permite. Como pintor eu posso até pintar um céu preto, mas, é escandaloso. Pintura é delicadeza, elegância, excêntricidade e sobretudo silêncio. Só um bom jarro de flores, verdadeiramente pintado ; isto é, mostrando a « flor da flor » pode ser ainda mais silencioso que a natureza. Eu pinto flores para que tudo vire silêncio e a natureza, a vida, possa gritar.

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F.I. :

Eu sempre me interessei pelo estudo do silêncio na literatura… o que nos primeiros tempos parecia estranho a muitos. Como falar de silêncio no reino da palavra… e bem vezes, da palavra ruidosa ?

Pergunto a mim própria se, para além das suas cores, a que sou tão sensível, não teria sido esse silêncio de suas telas que me levou instantaneamente até si…

Quando abandonou a escrita para se lançar na pintura, o que foi que as letras não lhe deram… e que parece ter encontrado graças aos seus pincéis ?

O. A. :

Creio que as palavras falam e a pintura cala. A rigor, literatura e pintura é uma só coisa. A literatura, contudo, é mais ruidosa, enquanto que a pintura é absolutamente silenciosa. Sou pintor autodidata (até aonde alguém pode ser) que veio da literatura. Amo a literatura. Agora, a nossa é uma época que sabota a Literatura (e também a Pintura). Inventou-se um mundo, horrível, onde as pessoas não têm tempo para ler, nem livro. Não têm tempo pra nada, a não ser tentar ganhar dinheiro. Minha literatura não acabou, o que acabou foi o leitor. No dia que o leitor voltar a existir eu volto a escrever literatura. Quanto à pintura, acredito que seja o verdadeiro dinheiro ; ou seja, tornei-me um falsário de notas verdadeiras. A missão do pintor é a de purificar o dinheiro. É o que faço.

 

 

 

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 F.I. :

O Oscar é membro fundador da « Sociedade Internacional de Educação Através da Arte » (INSEA)

Acredita na Arte como meio de ajudar os nossos Jovens a enfrentar um mundo de que os únicos motores parecem ser a rentabilidade e a competição, ou, pior ainda, a falta de escrúpulos e o « salve-se quem puder »…pouco importando como ?

O. A. :

Sim. Só a Arte salva, educa e liberta – ela que a tudo corrige e dá direção. Agora, vivemos um momento em que, como no Egito antigo, onde tudo era Deus exceto Deus, hoje tudo é arte, exceto a Arte. Aqui no Brasil está se usando a arte para fazer política populista, assistencial, o que é lamentável. Confunde-se arte aplicada com Arte, não se distinguem níveis nem qualidades, e nem mesmo excepcionalidade. Onde tudo é arte nada é arte. Ora, a Arte é rara. É como uma estrela, ou melhor, como uma galáxia – podem até existirem muitas, mas são raras. É como a matéria… parece muita, mas é rara diante do vácuo universal. Enfim, a Arte é a Pessoa, e, infelizmente, este não é um mundo que favorece a existência da pessoa.

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F. I. :

Na sociedade ocidental, pelos efeitos da mundialização e da democratização da cultura, como vê o Oscar a evolução da Arte ? A transmissão do « Belo » terá ainda algum sentido ?

O. A. :

A Beleza é eterna. E eterna mais ainda que dure. O sucesso do homem como animal é que era e é « artístico ». O homem da caverna vingou porque usava brincos e colares, se pintava e pintava, era mímico e quadridestro. Não acredito em evolução da Arte. A Arte repudia o progresso. A Arte alcança píncaros pessoais e depois outro artista alcança outro píncaro, mas um não necessita do outro para alcançá-lo. É claro que existe uma genética que pode ser transmitida, assim como um meme, mas isto no máximo possiblita um « gesto elegante » ou uma técnica geral, jamais um artista completo. O artista começa com ele mesmo , com a pessoa do artista, e por ser um verdadeiro artista ele é solidário e aberto ao mundo. Nada mais que isso. Democracia é sistema político, não tem nada e nem deve ter nada com a Arte. Na Arte o que vale é o melhor, já que só a pessoa, na sua plenitude, cria o melhor. Melhor que a Arte só a pessoa da Arte.

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F. I. :

Gostaria de lhe pedir, querido amigo, que nos falasse um pouquinho dos seus Pilares, um campo fabuloso da sua obra que, pelo menos em aparência, pouco tem a ver com as flores…

 

 

O. A. :

« Os Pilares » são as bases da minha pintura. Foram criados na minha passagem da Literatura para a Pintura, se é que houve esta « passagem », pois continuo escrevendo, só que outros textos. Trata-se de uma escrita visual, de histórias contadas por imagens. Tudo que existe hoje na minha pintura pode ser visto nos meus Pilares. A diferença é que estes são « subjetivos », no sentido de « extraídos da minha barriga », enquanto que o que se seguiu, ou seja, as paisagens, as marinhas, os eróticos, as flores etc são « essencialidades em sua concretude », ou algo assim. Na verdade, eu pintei um só quadro e somente um auto-retrato, o da pessoalidade, não só minha mas do mundo.

 


 

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F. I. :

À laia de « conclusão transitória » à nossa conversa, que será prolongada em direto quando os seus quadros forem expostos em Nice, poderia desenvolver um pouco mais esta sua frase

« Pintar a flor da flor – eis o fim da pintura »

O. A. :

Os morros correm, os cães passam e as carruagens ladram(sic). Ou seja, é preciso pintar como um gato pega um pardal. Só a rapidez consegue plasmar a vida na tela. A flor da flor é mais veloz ainda que a luz. É preciso que o pincel viage na velocidade da flor da luz para que a essência seja captada e plasmada para sempre na tela. Plasmar a vida, se me permite, viva, na tela, só a pintura consegue. Mas, tem que ser pura como o primeiro fóton e pessoal como o último suspiro.

 

 

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